Herdeiros políticos mantém a tradição através do sufrágio universal, enquanto os anfitriões são impedidos pelo judiciário
A predominância econômica e social de grupos ou famílias sobre os menos afortunados, a exemplo do que ocorreu na formação de oligarquias agrárias na República Velha (1889-1930), originou o ‘coronelismo’. Este artigo se propõe a apontar os resquícios desse movimento na política rondoniense, o qual começou no início do período Republicano Federativo do Brasil no final do século XIX. Em tese, há a constatação que os políticos mantêm a tradição de eleger seus apadrinhados através do sufrágio universal, enquanto os seus mentores são impedidos de concorrer nas eleições pelo judiciário.
Na época, o Sistema Eleitoral era controlado por ricos fazendeiros que instituíram o ‘voto de cabresto’ caracterizado pela manipulação dos eleitores em favor de candidatos ungidos. Esse controle se dava pela compra de votos em espécie, doação de bens materiais ou ameaças diretas. O fato da eleição ser aberta ao público facilitava esse procedimento, pois enviavam capangas aos locais de votações para fazer pressão. Com o intuito de garantir a vitória de seus candidatos fraudavam o resultado oficial com documentos falsos para que um eleitor votasse mais de uma vez, inclusive de pessoas já falecidas e sumiam com urnas.
Para a servidora pública que mora em Porto Velho, R.N., 58 anos, essa prática não mudou, em que pese, os avanços das regras eleitorais em cada pleito que ocorre de dois em dois anos. Militante política desde sua juventude diz que muitas vezes presenciava cabos eleitorais atravessando a madrugada com pacotes de dinheiro, a fim de distribuir nas vésperas do dia da votação para a compra de voto. Por outro lado, relata que antes da utilização das urnas eletrônicas, era comum os fiscais rasgarem cédulas ou preencher algumas em branco para favorecer o candidato de seu partido.
Esse cenário da República Velha foi denominado de Política do café-com-leite porque os estados de São Paulo e Minas Gerais eram os mais ricos do país com a produção de café e leite, respectivamente. Os acordos políticos eram firmados com o objetivo de perpetuarem os aliados no poder, seja a nível regional ou nacional, inclusive através do Partido da República, ambos elegeram a maioria dos presidentes do Brasil. Inclusive, os mineiros e paulistanos continuam elegendo representantes para o Palácio da Alvorada a exemplo do ex-presidentes Itamar Franco (PMDB) e Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
O presidente Campos Sales (1898-1902), abriu um precedente ao garantir a governabilidade sem oposição acirrada fazendo alianças com os governadores e em troca de apoio concedeu verbas federais aos estados. A chegada do presidente Getúlio Vargas em 1930 pôs um freio nessa prática, inclusive enfraquecendo a influência dos coronéis. Todavia, independente de quem esteja na presidência da República é difícil ter oposição dos chefes do executivo estadual, justamente pela necessidade de receberem a contrapartida do Governo Federal para aplicarem nas regiões que governam.
Daí o embate fica por conta dos novos coronéis denominados ‘caciques’ no Congresso Nacional, os quais tem grande influência nos estados que representam. Assim, senadores e deputados federais de cada ente federado lutam para se manterem no poder usando de artifícios semelhantes aos que eram praticados na República Velha. Há políticos que se mantém desde a redemocratização do país a partir de 1985 a exemplo do ex-presidente e hoje senador José Sarney (PMDB) a nível nacional e em Rondônia, a família representada por seu colega de parlamento Ivo Narciso Cassol (PR).
Famílias
A setorização do tempo da República Velha foi substituída por um novo coronelismo representada pela família Cassol que emigrou nos anos 70 de Santa Catarina para Rondônia e desde então ascendeu econômica e politicamente a partir da Zona da Mata. O pai Reditário, administrador no município de Colorado D’oeste indicado pelo então governador Jorge Teixeira, deputado estadual e federal se tornou suplente de senador do filho Ivo Cassol depois que este exerceu o mandado de governador de Rondônia no período de 2003 a 2010. Inclusive, comemoram os mandatos políticos de Darcila (Nega Cassol) e César no executivo municipal e Assembleia Legislativa, respectivamente.
O pulso forte e a determinação de Ivo Cassol impediu que o atual presidente da Assembleia Legislativa de Rondônia, deputado estadual, Maurão de Carvalho (PMDB), disputasse a indicação do Partido Progressista para governo do estado em 2014. Na oportunidade, optou pela irmã e advogada Jaqueline Cassol (PR). Em tese aprendeu a cartilha do pai que na tribuna do senado declarou: “Nós temos que modificar um pouco a lei aqui no nosso Brasil, de modo a não criar facilidade para pilantra, vagabundo, sem-vergonha, que devia estar atrás da grade de noite e de dia trabalhar, e quando não trabalhasse de acordo, o chicote, que nem antigamente, voltar”.
A família Donadon está enraizada no Cone Sul do Estado de Rondônia, mas já ousou conquistar o governo e o senado através do seu maior representante e ex-prefeito do município de Vilhena, Melki Donadon. O ápice do grupo político se deu com a posse na presidência da Assembleia Legislativa do deputado Marcos Donadon (PMDB), no entanto, no mandato válido pela 4ª legislatura de 1995 a 1998 também veio o inferno astral. Com a condenação por desvio de verbas públicas no valor de 8,4 milhões, Marcos e seu irmão deputado federal, Natan Donadon, foram presos e tiveram os mandatos cassados pelas respectivas Casas de Leis.
Com bons laços no segmento evangélico e uma popularidade em alta naquela região do Estado, a família vem substituindo e elegendo os nomes que colocam na disputa eleitoral. O sobrinho Marlon Donadon que governou a cidade no período de 2005 a 2008 teve a prisão decretada por improbidade administrativa e se encontra foragido a exemplo de Marcos, o qual impedido de concorrer influenciou na eleição de sua esposa Rosangela Donadon para deputada estadual em 2014. Já Melki foi fundamental que sua esposa Rosani Donadon fosse a mais votada para prefeitura de Vilhena em 2016, mas a companheira está com a candidatura impugnada.
O ex-deputado Carlão de Oliveira que presidiu a Assembleia Legislativa na 6ª legislatura compreendida de 2003 a 2006, mas já havia construído uma sólida carreira política foi condenado a dez anos de prisão por desvios de cerca de 70 milhões em decorrência da Operação Dominó deflagrada em 2006. Todavia, adquiriu respeito entre seus correligionários em todo o estado e nos bastidores é conhecido como ‘Carlão 38’. O apelido se deu pela forma firme que cobra os compromissos e fidelidade no trato no mundo da política, inclusive seus seguidores sempre segue suas orientações.
Dessa forma, vem mantendo seu legado político com a eleição de seu filho Jean de Oliveira que já foi eleito vereador por Porto Velho e está exercendo o segundo mandado na Casa de Leis rondoniense. Com boa articulação aprendida com o patriarca, atualmente exerce a liderança da bancada do PMDB na Assembleia Legislativa e vem conseguindo manter o nome da família em evidência. No dia 2 de outubro tiveram mais uma prova de fidelidade do grupo que os segue, pois elegeram o irmão Márcio Oliveira para vereador da capital entres os mais votados do último pleito.
Há quem lembre com saudade do delegado e ex-Secretário de Segurança Pública Paulo Moraes, o qual após ter sido vereador e presidente da Câmara Municipal de Porto Velho foi eleito deputado estadual por duas vezes. Antes de falecer em outubro de 2015 construiu um legado político, pois foi fundamental na eleição de sua esposa Sandra Moraes à vereança e presidência do legislativo municipal. Dada a sua carreira sólida na Polícia Civil sempre teve o apoio dessa classe nas eleições que disputava ou apoiava, inclusive se torno temido por grupos políticos adversários.
Com problemas de improbidade administrativa, o casal ficou impedido de disputar eleições, mas ungiram o filho Léo Moraes (PTB) como herdeiro político da família e obtiveram sucesso. Em 2012 lançaram-no à vereador, após exercer o mandato por dois anos foi eleito deputado estadual em 2014. O projeto do patriarca era tornar o filho prefeito de Porto Velho, mas não foi possível. Em 2016 perdeu no segundo turno para o Dr. Hildon Chaves (PSDB), inclusive por uma grande diferença de votos. Todavia, ao disputar o segundo turno derrotou outros grupos políticos que almejavam se perpetuarem no poder.
Tendência
A abordagem foi apenas um recorte de algumas famílias que militam na política rondoniense com resquícios do coronelismo, inclusive fica evidente que essa prática vem desde o período colonial e se tornou uma tendência ao longo dos séculos. Nessa saga de perpetuação no poder muitos são os registros de violência verbal e física entre os políticos, um exemplo foi o soco desferido por Paulo Moraes na face do vereador Edmilson Lemos no salão nobre da Câmara Municipal de Porto Velho em outubro de 2013. No entanto, práticas mais horrendas ocorrem no meio político a exemplo do assassinato do ex-senador Olavo Pires em 1990 que até hoje permanece um ‘mistério’.
Autor: DAVID RODRIGUES